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quarta-feira, 19 de abril de 2023
RIOVERDEMS | Por PORTAL RIOVERDE NOTICIAS

Ele é o único habitante de um vilarejo abandonado na Itália: 'Minha ilha'

 


Ele nasceu, cresceu e espera passar seus últimos dias na cidade que não existe mais.

Para quem o vê pela primeira vez, Salci é só um vilarejo abandonado. Para o italiano Marcello Marchini, com os pés que não arredam de lá, é a sua "ilha feliz".

Salci é um pontinho no mapa. Cerca de quinze quilômetros a separam de Città della Pieve, cidade situada da província de Perugia na região da Úmbria, conhecida como o "coração verde da Itália".

É a terra que com suas paisagens e misticismo inspirou artistas como Giotto e conquistou personalidades como aquele que se tornou o padroeiro da Itália, São Francisco de Assis.

Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
O burgo de Salci só tem um habitante: Marcello
Imagem: Alfredo Santucci

Com seus becos medievais, Città della Pieve é a terra natal do pintor Perugino, um dos expoentes do Renascimento, e a cidade escolhida por um dos líderes políticos italianos mais influentes na arena do poder internacional: o ex-presidente da Banca Central Europeia e premiê italiano, Mario Draghi, que ali possui uma casa.

Marcello nunca participou de uma mesa de negociações. É um homem concreto. Nascido em 1947, hoje ele é mecânico aposentado que reage como pode àquela que ele considera uma injustiça: a morte daquele que já foi um próspero ducado.

Casas abandonadas e portões trancados de Città della Pieve - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália
Imagem: Alfredo Santucci
Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
Clima de construções medievais segue no pequeno vilarejo
Imagem: Alfredo Santucci

Entre dinastias e papas

Em um dia de neblina intensa, com cheiro de orvalho e madeira molhada, cruzei a entrada de uma Salci deserta na qual entrevi uma única silhuete, aquela de Marcello circundado pelos gatos que colonizaram o vilarejo. Depois da desconfiança inicial, ele me contou a sua história.

Salci foi fundada em 1243, bem antes do descobrimento do Brasil. Graças a sua posição estratégica, entre Toscana e Úmbria, e a sua proximidade com a Via Francigena, atravessada por peregrinos, foi um território disputado por diversas famílias nobres.

Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
Salci já teve 1260 habitantes
Imagem: Alfredo Santucci

Foi conquistada pela poderosa família Bandini (originária de Florença) e, prosperando rapidamente, em 1568 foi declarada capital de seu ducado e feudo pontifício pelo papa Pio 5º.

Sem herdeiros, a propriedade da família Bandini foi transferida para o sobrinho do papa, Michele Bonelli, que se ocupou de Salci até o período de unificação do estado italiano. Em 1886, Salci foi cedida à Vittoria di Mirafiori, filha do primeiro rei da Itália, Vittorio Emanuele II di Savoia.

Como em um filme de Bertolucci

Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
As casas abandonadas do vilarejo de Salci
Imagem: Alfredo Santucci

Para imaginar a vida em Salci, repercorra mentalmente as cenas de um dos filmes mais famosos de Bernardo Bertolucci: "1900". Apesar de gravado em outra região, na Emilia-Romagna, o contexto é bem similar, aquele de uma Itália agrícola, dominada pelo fascismo, em um clima de tensão entre patrões e camponeses.

Salci chegou a ter 1.260 habitantes. Era um vilarejo fortificado e totalmente autônomo, com uma própria agência de correios, lojas, laboratórios de artesãos, farmácia e até uma igreja, que existe até hoje. Na época, principalmente na Itália central, era comum o sistema chamado de mezzadria, ou seja, as terras eram administradas por um patrão, mas divididas em lotes entre os camponeses, obrigados a compartilhar geralmente metade de sua colheita e lucros.

Marcello Marchini não pensa em sair de lá, onde chama de sua 'ilha feliz' - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
Marcello Marchini não pensa em sair de lá, onde chama de sua 'ilha feliz'
Imagem: Alfredo Santucci

Salci também é a cidade natal de Achille Piazzai, engenheiro naval que idealizou o transatlântico italiano Rex.

Assim como acontece em outros vilarejos da Itália, onde a população idosa é cada vez mais numerosa e os jovens abandonam os pequenos centros em busca de mais oportunidades, na década de 70 o número de habitantes de Salci começou a diminuir drasticamente.

Um de seus últimos moradores, o pároco Pietro Calzoni, faleceu em 1998 e o complexo residencial que formava o vilarejo de Salci foi vendido a uma empresa que tentou, em vão, de transformá-la em uma estrutura para a hospitalidade. Os poucos habitantes que até então reivindicavam o direito de permanecer em Salci foram deslocados.

Marcello, assim como outros, foi obrigado a se mudar para Ponticelli, a cerca de dez quilômetros de Salci, mas nem por isso se deu por vencido.

Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
Vilarejo é um dos muitos da Itália que sente abandondo da população mais jovem
Imagem: Alfredo Santucci

Na casa do padre

Capítulo encerrado? Muito pelo contrário. Foi criado um comitê chamado Salviamo Salci, que conta inclusive com o apoio de um famoso ator cômico na Itália, o romano Carlo Verdone. Pessoas que gostariam que sua igreja pudesse receber fiéis novamente. Que seu poço voltasse a funcionar e sua fonte jorrasse água.

Marcello conta que a iniciativa provocou um braço de ferro entre seu proprietário e seus antigos moradores. Ele pediu à cúria local o direito de morar na casa antes ocupada pelo pároco de Salci e apesar de cartazes que avisam sobre o perigo de desmoronamento e as barreiras metálicas que tentam impedir o acesso ao vilarejo, Marcello preside a sua cidade natal e não a abandona.

Ele é o único habitante do vilarejo abandonado de Salci, na Itália - Alfredo Santucci - Alfredo Santucci
A igreja de Salci, que também não escapou do abandono
Imagem: Alfredo Santucci

Quem não conhece a sua história pode pensar que ele é o vigia da cidade, mas na verdade o que ele protege é mais do que os poucos quilômetros de terra e o que restou de Salci. Ele protege a memória e personifica a resistência de quem não aceita a ideia que onde existia vida agora prevalece o silêncio.

Me abre as portas de sua casa com a gentileza típica de quem aprecia receber hóspedes. Prepara o café que libera o seu aroma no ar. Cultiva uma horta ali onde a terra era pronta a ser considerada infértil e mantém até um barco em seu próprio jardim.

A Úmbria é uma região da Itália não banhada pelo mar, mas assim como o beija-flor desafia a natureza e consegue ficar suspenso no ar, quem disse que um homem só não pode tentar mudar o rumo das coisas?

UOL

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